segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Auf Wiedersehen 2013! Willkommen 2014!

Acabou! O que dava para ser feito, foi feito! Se foi bem feito ou não, se deu o resultado esperado ou não, se valeu a energia despendida ou se ela foi desperdiçada, agora já não importa: 2013 se esgotou. Mais um ano que você e eu vivemos, mais um ciclo da existência que se confirma, mais um tempo que se evaporou por entre as sensações do pulsar dos corpos em constante transformação no espaço.
E o momento é ambíguo, pois envolve sentimentos de tristeza e frustração, intercalados com outros de expectativa e de alegria
A frustração e a tristeza vêm pelas pessoas que partiram, pelas coisas que desejamos e não obtivemos, pelos projetos que lançamos (pro-jectum) e não realizamos, pelas obras que queríamos ler ou escrever e que não nos demos a condição, pela reeducação alimentar que prometemos adotar e que as nossas calorias denunciam não ter sido cumprida, pela palavra que queríamos ter dito e faltou na hora adequada, pela frase dita que merecia não ter sido expressa, pelos “mergulhos retidos que nos deixam estranhas câimbras” (M. Proust).
Mas também vem a expectativa e a alegria, por aquilo que realizamos, por aqueles a quem cativamos e fomos cativados, por aquilo que produzimos e que se torna nossa marca no mundo, pelos que amamos, pelas batalhas que enfrentamos com galhardia e pela paz que conquistamos com esforço, pelos projetos que tiveram sucesso e pelo aprendizado daqueles cujo êxito foi diverso do inicialmente especulado, e pela possibilidade disso continuar a acontecer no ano que se mostra no horizonte.  
Neste ano acumulei doces e amargas lições, que me acompanharão para sempre. E talvez a maior delas seja a de que somos poeira ao vento, ou pouco mais que isso.


Diante de todas as circunstâncias deste ano de 2013, que se mostra nos seus últimos suspiros, só me resta agradecer a possibilidade de estar aqui, vivo e com capacidade de expressar o que penso e o que sinto, graças ao mistério do acontecer humano no Universo.

A Vocês, amigos e amigas, que fizeram parte da minha vida em 2013 e que tornam a vontade de continuar vivendo algo ainda presente em mim, meu carinho, minha gratidão pelo aprendizado que me propiciaram e pelo espaço que me permitiram, num tempo tão escasso e precioso que é o do estar no aí, de transitar pela existência de vocês. 


Feliz 2014 a todos e a todas, com carinho e admiração! 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Ode a um gigante que partiu!




VOCÊ ME ELEVA
Você me levanta
Quando eu estou abatido, oh minha alma tão cansada
Quando preocupações surgem e meu coração fica carregado
Então eu me acalmo e espero aqui em silêncio
Até você vir e sentar-se por algum tempo comigo.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros
Você me levanta, mais do que eu posso ser.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros
Você me levanta para ser mais do que eu posso ser.
Não há vida, não há vida sem este desejo
Cada batida do coração impaciente, tão imperfeita
Mas quando você chega, eu me surpreendo
Às vezes, eu acho ter vislumbrado a eternidade.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros
Você me levanta, mais do que eu posso ser.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros

Você me levanta, mais do que eu posso ser.


Ouso interromper o ritmo de trabalho que tenho mantido, em que pese às festas de Natal, deixando a correção de provas e a feitura das médias semestrais das disciplinas, para hoje lançar um brado, numa ode a um gigante que partiu: meu pai. E falo a ele, a partir de agora, fazendo uma homenagem à trajetória que cumpriu na história e que cumpre hoje no coração de cada um de nós:
Hoje, 27 de dezembro, é o teu aniversário, Lotário Hansen; completam-se 74 anos de uma trajetória de muita luta e superação. A pequena Selbach, no interior gaúcho, te viu surgir como alguém que, pelas circunstâncias do zeitgeist, estava fadado a ser mais um na lista de seres humanos comuns, que nascem, crescem, morrem e ninguém se apercebe que viveram, pois não deixam marcas. Sim, porque a maioria das pessoas não ultrapassa o próprio contexto, que se lhe apresenta como barreira inexpugnável, como destino a cumprir.
Deram a ti este nome, sem que houvesse razão poética ou reminiscência ao imperador Lotário (795-855 d.C.), neto de Carlos Magno e legatário do Sacro Império Romano-Germânico; foi apenas uma homenagem a alguém que tinha este nome em tua cidade.
Sétimo filho de uma família de onze irmãos, desde pequeno tu descobriste a dureza da labuta para manter vivos e alimentados a tantos; e logo aprendeste as lides da casa, auxiliando nos trabalhos de limpeza do hotel, na barbearia do meu avô e também no restaurante, ajudando como garçom a servir os hóspedes e clientes.
Na escola ficaste pouco tempo, porque estudar não era percebido como valor naquele período e porque foste expulso do colégio, na quarta série; tudo porque, conforme soube por outros, pediste uma borracha emprestada a um colega e a freira-professora quis coibir tua fala com o colega batendo com uma régua em teus dedos, prática “pedagógica” comum e tolerada à época. A tua reação é que foi incomum, pois quebraste a régua que ela trazia para te bater e pulaste a janela do colégio, fugindo para casa. Isso te rendeu humilhação pública e o chicote do meu avô pegando prá valer, pois ele tinha mão “firme”.  Mas, quer saber, que bom que você não se dobrou! Esta foi a primeira lição que aprendi do teu caminhar: não se dobrar diante da injustiça.
Pois é, mas sem escolaridade, no interior do Rio Grande do Sul (“longe demais das capitais”, como diz a música dos Engenheiros do Hawaii), como construir uma vida? Como manter uma família? Como pensar em futuro?
E tu ousaste, pois conquistou a Lori, a rainha do clube, uma das mulheres mais bonitas da cidade, e foste com teu futuro sogro para Frederico Westphalen; casou com a Lori em 08/02/1964; aprendeu uma profissão, a de alfaiate, e passou a sustentar a família, em cumplicidade com a tua mulher. Momentos difíceis, de muita penúria e dificuldade, né?!
Aqui aprendi contigo outra lição: não desistir do amor da tua vida e ser capaz de ir atrás de um sonho.
Tenho poucas lembranças e algumas fortes sensações ainda deste tempo, pois nasci em março de 1965: lembro de nós dois jogando bola dentro de casa (1967, talvez?!), numa noite de chuva, e eu chutei a bola pela janela; tu correste porta afora para evitar que a bola fosse para um córrego próximo e se perdesse, pois afinal de contas era um dos poucos e melhores brinquedos que eu tinha; e lembro-me da festa que eu, tu e a mãe fizemos quando chegaste com a bola recuperada. No final de 1967, veio o Gilson a nos fazer companhia e eu passei a me sentir o “homenzinho”, a cuidar do frágil bebê.
As coisas estavam cada vez mais difíceis sob o ponto de vista financeiro, e tu cometeste um erro empresarial crucial, fruto da tua bondade e confiança na decência das pessoas: vendeste fiado para o filho do prefeito, então presidente de um dos clubes de futebol da cidade, 25 ternos completos, que seriam presenteados aos jogadores pela conquista do campeonato daquele ano. Para confeccionar isto tudo, tu te endividaste junto aos fornecedores de tecidos, vocês trabalharam intensamente e os ternos foram entregues no prazo (dois dias antes da final do campeonato); o time perdeu, o presidente do clube se negou a pagar os 25 ternos e, num lugarejo onde quem mandava era o prefeito, o padre e o juiz, em pleno regime militar, tu sentiste a força da injustiça promovida pelas autoridades constituídas; ameaçado de morte pelo filho do prefeito, sob a conivência corrupta de um magistrado, só restou a ti e à mãe juntar os “trapos”, os filhos e recomeçar em outra cidade (Carazinho); eu tinha três anos de idade e o Gilson, três meses.
Disso outra lição eu aprendi: a nós, pobres, a injustiça é a companhia; para encontrar um lugar ao sol e superar a injustiça, somente com tenacidade, disciplina e competência; não dá para ser mais um, tem de ser o melhor, o mais determinado, o moralmente mais forte.
Por quase dez anos tu e a mãe ficaram a pagar as dívidas advindas deste sucedido; e isso tornava a nossa sobrevivência bastante precária. Lembro-me de alguns episódios que me marcaram profundamente nesta época (fim dos anos 1960 até meados dos anos 1970): o primeiro deles é que morávamos perto do tio Nelson e que a tia Elita ficava, junto com minha mãe, esperando o cacarejar das galinhas, pois este era o sinal de que alguma havia botado um ovo e aquele ovo era doado a nós para que pudéssemos ter bolinho na refeição; nova lição aprendida, qual seja, a força da solidariedade. Outro momento que lembro era de como tu e a mãe nos serviam o feijão e o arroz, e após eu e o Gilson almoçarmos, vocês acrescentarem água e comerem aquilo, pois não havia o suficiente. Vem também a minha retina a imagem da tua chegada do trabalho, curvando-te de dor proveniente de gastrite, pelo excesso de trabalho, preocupações e má alimentação; mas sempre sobrava um carinho e um tempinho para sentar junto ao fogão à lenha e nos pegar no colo, aconchegando-nos num casaco de inverno. Eis mais uma lição, a de que as adversidades não podem nos matar a ternura.
Na ocasião do Natal, a firma onde tu trabalhavas dava uma cesta de Natal aos funcionários, com chocolates e também um engradado de refrigerantes: eu e o Gilson comíamos um pedacinho de chocolate por dia, para que não acabasse logo; idem para o refrigerante, pois repartíamos um por semana, na expectativa de que tivéssemos tal bebida por mais tempo.
Destes momentos de penúria, recordo também da alegria que ficávamos quando, na nossa santa ilusão, acreditávamos que o Papai Noel nos deixava os presentes, ou o Coelho da Páscoa nos deixava casquinhas de ovos recheadas com amendoins. E os presentes, modestos, eram sempre iguais, pois o modelo do carrinho de plástico de 5 reais era verde para um e amarelo para o outro, de sorte que eu e o Gilson sempre recebíamos presente similar. Mas o que importava é que tu e a mãe conosco sentavam e brincavam durante horas, de sorte que nossa infância foi feliz. Novas lições assimiladas: simplicidade, cumplicidade, parceria, valorização daquilo que se tem, por mínimo que seja, e das pessoas que te propiciam o acesso a isso.
Aos poucos vocês foram economizando e compraram uma casa velha (mas era nossa! E isso era muito bom!); e quando esta foi paga, aí vocês partiram para construir uma casa melhor. Foram anos de muita batalha também, pois todos nós trabalhávamos de auxiliares dos pedreiros e marceneiros, para baratear a construção.
E assim, superando obstáculo após obstáculo, não sem dificuldade ou adversidade, vocês pavimentaram uma estrada que permitiu a mim e ao Gilson o acesso ao estudo e às oportunidades de, pelo nosso trabalho, construirmos o nosso próprio lugar no mundo. Vocês, meu querido pai, transcenderam todas as expectativas e conjunturas, foram muito além das “montanhas” do vilarejo onde nasceram e se transformaram em gigantes. Tal como diz a música, tornaram-se gigantes que nos colocaram sobre os ombros e nos permitiram ver longe, para que pudéssemos redimensionar a nossa própria noção de horizontes.
E não bastassem os ensinamentos todos que vocês nos passaram ao longo do tempo, nestes últimos cinco anos trouxeram as mais profundas, marcantes e difíceis lições de assimilar. A partir de 2008, a luta da mãe contra um câncer arrebatador e agressivo, que a levou em 15/11/2009, não sem provações, dor e sofrimento. De lá para cá, tu nos ensinaste o quão dolorosa é a saudade de alguém que se ama e que partiu, pois a partida da mãe te foi um golpe insuperável e que foi te matando aos poucos, sem que pudéssemos fazer nada como alento. Mas tivemos, tu e nós (eu, Gilson, Júnior), as derradeiras lições de tua trajetória terrena quando, em final de maio do corrente, sofreste um Acidente Vascular Cerebral e ficaste paralisado do teu lado esquerdo.
De repente nos demos conta que tu, sempre dinâmico e disposto, que jogou futsal até quase os 65 anos de vida e que parecia uma fortaleza de saúde, também era suscetível aos desígnios da natureza e, por capricho do destino, tornou-se por algumas semanas o nosso “filho”, posto que tivemos de aprender a trocar tuas fraldas, a dar banho em ti, a cortar tua barba, a te carregar no colo. Mas tu não estavas disposto a aceitar passivamente esta imposição da freira-natureza, e quebrou a régua dela, quando começou a fazer fisioterapia e, em menos de 15 dias, dava sinais de recuperar os movimentos e o controle sobre o próprio corpo. A physis (natureza), em conluio com Cronos (o tempo), decidiu então te atingir com novo AVC, em 14 de junho passado; rebelde e inconformado, tu decidiste pular a janela, e seguiu acompanhado de um anjo de luz, chamado Lori, que te esperava.
Desde então, um abismo se abriu em nossas almas, na minha e do Gilson; mas também um vazio ficou na existência dos teus netos e daqueles que contigo conviveram. Desde a tua partida, muitas foram as ocasiões nas quais, no domingo à noite, vi-me com o telefone à mão, para ligar para ti, pai. E toda a vez que faço churrasco, eu ouço dos seus netos a frase: “seu churrasco é bom, mas não tão bom quanto o do vô Lotário”.

Tu e a mãe construíram um lar, uma família, um ethos, um clã; mas vocês saíram da sala cedo demais e agora me vejo aqui, como brincamos entre nós, legatário e patriarca de um “clã” de cinco pessoas (eu, Gilson e os netos de vocês). Como estar à altura dos ensinamentos e legados de vocês? Como se tornar um gigante para permitir que os ombros sirvam de anteparo e plataforma para que outros possam vislumbrar horizontes mais distantes e promissores? Esta lição, pai, tu deixaste sem responder. Espero ser digno do teu nome e ter amor e força suficiente dentro de mim para encontrar e viver a resposta. Feliz aniversário, pai, onde quer que você esteja, de que forma que você esteja! 

quarta-feira, 13 de março de 2013

HABEMUS PAPAM!


A escolha de Jorge Mário Bergoglio, Cardeal Arcebispo de Buenos Aires, para assumir a função de Bispo de Roma e, nesta condição, tornar-se o novo Papa da Igreja Católica Apostólica Romana, surpreendeu a todos e contrariou apostas e torcidas.
Igual surpresa ocorreu pela definição do nome adotado pelo novo Pontífice, a partir de agora denominado Francisco. A mídia brasileira, em sua grande maioria mobilizada e abobalhada em face da torcida pelo Cardeal brasileiro, Odilo Scherer, imediatamente conectou o nome escolhido a Francisco de Assis. Exatamente porque, na condição de torcedora, a imprensa não cogitava um Papa sul-americano que não fosse o Bispo de São Paulo, e sequer se deu conta que o fato de Bergoglio ser da Companhia de Jesus, o primeiro dentre os jesuítas a chegar ao papado desde a fundação da referida Instituição religiosa (1534), remete a escolha do seu nome de Papa a São Francisco Xavier, um dos fundadores da Companhia de Jesus.
E que importância tem isso?
Segundo a tradição da Igreja Católica, o nome é selecionado pelo novo Pontífice e significa um diapasão a sinalizar a direção política do seu governo. Se a referência fosse o Francisco de Assis, apontaria para um projeto de Igreja voltada aos pobres, preocupada com o combate às injustiças e à miséria. Já a lembrança de Francisco Xavier remete ao missionário de uma Ordem fundada sob parâmetros militares e encarregada da expansão do Cristianismo pelas Américas e pelo oriente, pela evangelização e catequização, aliada às forças europeias que conquistaram e subjugaram as colônias a partir do século XIV.
Para qual Igreja apontará o Pontificado de Francisco? Alguns indicativos de seu currículo são importantes para vislumbrarmos tendências.
Pairam desconfianças sobre o envolvimento de Bertoglio, ou ao menos sobre o seu silêncio, no tocante ao período da ditadura militar argentina e as atrocidades cometidas pelos governantes nesta época.
Em período mais recente, tornaram-se conhecidas suas manifestações contra a Presidente Cristina Kirchner pelo fato desta ter apoiado a possibilidade do casamento homo-afetivo em plagas portenhas. Ademais, seus discursos contrários ao aborto, mesmo em situações de estupro, também marcaram os momentos mais recentes de suas aparições no cenário político do país vizinho.
Por outro lado, paralelo a esta postura conservadora e dogmática, digna da atuação originária jesuíta, sua preocupação com a pastoral e sua manifestação contra a miséria e a exploração dos pobres mostra uma figura atenta aos explorados e excluídos da sociedade.
Outro ponto favorável a Bergoglio parece ser a forma humilde e amável de se colocar junto ao povo, retratada pelo seu estilo de vida frugal e simples, e expressa já nas primeiras ações enquanto Papa, pedindo ao povo presente na Praça do Vaticano uma primeira oração de bênção sobre o seu Pontificado. O gesto de curvar-se em silêncio para ouvir essa oração-bênção popular soa como a busca por legitimação da soberania popular para uma autoridade institucional de abrangência mundial.
As características de Bergoglio supracitadas lembram em boa parte as características de Karol Woytila quando assumiu, sob a desconfiança do mundo, o seu Pontificado; com um jeito comunicativo e cativante, João Paulo II logo caiu na simpatia do povo, pois parecia o avô que todos nós queríamos ter em casa. Mas a conduta política de João Paulo II sempre foi conservadora e forte no que tange à manutenção da tradição da Igreja.
Bergoglio foi eleito pelos Cardeais numa batalha entre o grupo dos detentores do poder vaticano e aqueles que não mais os queriam no poder.  As especulações apontam para o fato de que Ratzinger trombara contra os primeiros e por causa da força destes optou pela renúncia.  Os primeiros tinham no italiano Ângelo Scola o seu expoente maior e no Cardeal Scherer um escudeiro fiel que se transformou em “boi de piranha” na campanha de desconstrução promovida pela imprensa italiana, criticado que foi pelas gafes e pela postura política.
Neste cenário de duro confronto, o Cardeal Arcebispo de Tegucigalpa/Honduras, Óscar Rodríguez Maradiaga, salesiano que preside a Cáritas Internacional desde 2007 e que goza de grande prestígio entre os Cardeais, se revelou como o grande articulador da candidatura de Bergoglio. O Argentino, cogitado como o candidato anti-Ratzinger quando da escolha deste como Bento XVI, voltou á cena como opção e alternativa política, pois representa a novidade sem mudanças drásticas. E na Igreja Católica (talvez nas Igrejas como um todo), a máxima mais praticada pode ser traduzida na expressão do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
Resta-nos aguardar e observar que Francisco vai inspirar ao novo Papa: o de Assis ou o Xavier. Teremos um Papa junto do povo, dos humildes e dos pobres, com uma Igreja que o acompanhe nessa perspectiva? Ou teremos um conquistador de fiéis com fala mansa, carismático nos gestos e conservador nos discursos e nas decisões políticas? Meu palpite é que o Xavier é mais forte; afinal de contas, jesuíta é jesuíta, heri et hodie et in perpetuum.

sábado, 9 de março de 2013

A VIDA EM NÚMEROS OU AS RAZÕES DO MEU CANSAÇO


Desde o início do mês de março, com os prazos institucionais se esgotando, tive de preencher o Currículo Lattes, do CNPq, e a partir dele o Relatório de Atividades Docentes (RAD), instrumento administrativo utilizado para aferir se um docente efetivamente trabalhou no ano anterior, uma espécie de Imposto de Renda Pessoa Física das atividades acadêmicas.
Ao preencher tais instrumentos de controle, fui forçado a juntar os comprovantes das atividades guardados nas estantes e gavetas. E somente assim pude me aperceber das razões pelas quais me encontro com tamanho cansaço.
No RAD são previstas 3120 horas de atividades; quando você ultrapassa esse total o sistema não aceita a inserção dos dados. Extrapolei isso em 2012 em mais de 200 horas, segundo os critérios institucionais.
Todavia, pressupondo que tivéssemos produzido as horas estabelecidas como teto no sistema informatizado, isso significa que há uma previsão média de 8,5 horas diárias de trabalho; e se considerarmos apenas 30 dias de férias, esta carga sobe para 9,3 horas diárias.
Como é possível isso? Simples: basta sacrificar sábados, domingos, feriados, férias, lazer, exercícios físicos. É o que acabei fazendo para dar conta das atividades e compromissos assumidos (Bancas, orientações de graduação, mestrado, doutorado, iniciação científica, eventos a organizar e a participar, publicações, aulas, etc.).
E o resultado disso é compensador?
Sob o ponto de vista funcional, não! – recebemos a mesma remuneração de quem faz muito menos.
Sob o ponto de vista físico, não! – ficamos um bagaço humano, estressados, cansados, estafados física e mentalmente.
Sob o ponto de vista do relacionamento humano, sim! – poder participar da vida das pessoas e dos momentos importantes para elas (uma Banca Examinadora, por exemplo); poder auxiliar na caminhada nem sempre clara ou facilmente vislumbrada pelo orientando (numa orientação de Iniciação Científica, Monitoria, TCC, Dissertação ou Tese); poder chegar até as pessoas e dividir com elas a compreensão de determinados problemas sociais sob uma perspectiva crítica (num livro, capítulo de livro ou artigo; numa aula, palestra ou curso de extensão); poder estar com os colegas e aprender com eles, na cúmplice troca de idéias dos Grupos de Pesquisa. Isso tudo é que acaba por tornar compensador tamanho esforço.
Os dados de 2012 (04 Grupos de Pesquisa; apresentação de trabalhos em eventos nacionais e internacionais; oito disciplinas na Graduação; oito disciplinas na Pós-Graduação; dois livros organizados e publicados; cinco capítulos de livro; um prefácio de livro; um artigo em periódico Qualis; seis orientações de doutorandos; onze orientações de mestrandos; uma orientação de graduando de Iniciação Científica; cinco orientações defendidas; vinte e duas bancas de Mestrado e de Doutorado) retratam o tamanho do meu cansaço.
Entretanto, estes números dizem muito mais que isso, pois revelam a alegria de alguém que se sente realizado naquilo que faz e que está disposto a continuar fazendo o que gosta.
Portanto, grato àqueles e àquelas com quem pude trabalhar em 2012. E continuem contando comigo em 2013, pois quando eu aposentar ou “cantar prá subir” (rssss), aí haverá tempo suficiente para o devido descanso! But not now, not yet!!!


MOMENTOS MÁGICOS, ONTEM E HOJE


Foram três semanas extremamente carregadas de atividades, que culminaram com o preenchimento do Relatório de Atividades Docentes (prazo-limite no dia 08/03) e com a atualização do Currículo Lattes (para o relatório trienal da CAPES). Entremeadas a estas atividades, ocorreram ainda aulas na Graduação e na Pós-Graduação, seleção de Mestrado e de Doutorado do PPGSD, seleção de Mestrado no PPGJA, orientações de dissertações e teses, bancas de dissertações e de teses, reuniões dos Grupos de Pesquisas nos quais estou inserido. Ah, e existem os compromissos familiares, não menos significativos e exigentes de tempo.
Enfim, chego neste dia 09 de março exausto, mas gasto um pouco do meu tempo e da minha energia hoje para registrar dois momentos especiais ocorridos no último dia 01 de março.

Momento 01: A primeira defesa de tese do PSGSD da UFF
Neste dia aconteceu a primeira defesa de tese do doutorado do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais (popularmente conhecido como PPGSD ou “Sociologia e Direito”), levada a cabo pelo aluno Eder Fernandes Monica, sob minha orientação. O referido discente fez um ótimo trabalho, que ganha maior relevância se levarmos em conta que ele, por questões de foro pessoal, decidiu escrever e defender sua tese cumprindo o prazo mínimo definido pela CAPES (dois anos) e não utilizou os quatro anos dos quais a maioria dos discentes doutorandos se vale para concluir seu Curso.
Para dar conta desta empreitada, Eder sacrificou horas de sono e de lazer, canalizando grande parte do seu tempo ao longo dos últimos dois anos, especialmente nos seis meses que antecederam a defesa, para a construção da tese. E eu, enquanto orientador, também enfrentei o “rescaldo” desta situação (rssss), com um acompanhamento bastante intenso ao longo do processo.
O coroamento desta caminhada se deu com a Banca Examinadora, formada pelos professores doutores Luís Antonio Cunha Ribeiro, Luiz Antonio da Silva Peixoto, Gustavo da Silveira Siqueira e Marcus Fabiano Gonçalves. Estes grandes professores e pesquisadores deram um show de competência, cada uma abordando sob uma ótica o tema da tese e apresentando questionamentos, observações, que foram assimiladas, respondidas e saboreadas; sim, este é o termo: saboreadas; pois na origem da palavra conhecimento está o sentido de informação (sapere), mas também de sabor (sapore). Todos os professores foram brilhantes, mas a intervenção do colega Marcus Fabiano foi digna de uma Aula Magna em qualquer Universidade do mundo.
A platéia que compareceu e acompanhou as quase cinco horas do ritual da defesa teve a oportunidade de testemunhar um momento raro, especial na vida de uma Universidade, que retrata o significado maior da Academia enquanto produtora de conhecimento crítico sobre, com e para a sociedade. Quem lá esteve vivenciou um momento ímpar e certamente saiu sabendo qual é a diferença entre uma Universidade e um “colegião”, destes que comercializam cursos e certificados como se estivessem vendendo fast food. Fizemos história na Universidade Federal Fluminense no último 01 de março de 2013; fizemos Universidade.

Momento 2: 28 anos de Magistério
Em 01 de março último, no anonimato e na discrição que uma data destas tem na vida pública, posto que seja lembrada somente pelo seu protagonista, comemorei 28 anos de magistério, sendo 27 anos de magistério superior.
Em 01 de março do distante ano de 1985, um jovem idealista de 19 anos de idade (completei 20 anos alguns dias depois deste fato), começou a lecionar OSPB, História e Religião, no Colégio Marista de Passo Fundo, para alunos de 7ª e 8ª séries do 1º e para alunos do 2º Grau.
Lembro-me que, no primeiro dia de aula, cheguei tenso, mão fria e úmida, boca e garganta secas, corpo totalmente aceso, como se estivesse prestes a um combate. Eu havia passado os três meses antecedentes preparando todas as aulas, com dedicação de quase 8 horas diárias; as duas semanas que antecederam a estréia foram dedicadas a ensaio na frente do espelho, a revisão de cada detalhe, para que tudo transcorresse bem. Mas a noite anterior foi passada sem dormir, tamanha a tensão e expectativa: e se os alunos não gostassem de mim e do meu jeito de ministrar aulas? E se fizessem uma pergunta que eu não soubesse responder? E se eu esquecesse algum conceito que devia abordar na aula? Enfim, estreei e deu tudo certo! E a coisa fluiu tão bem que surgiu, no ano seguinte, o convite para lecionar na Universidade de Passo Fundo, onde havia me formado.
Para dar conta das aulas na Universidade, deixei de lecionar no Colégio Marista, trocando às trinta horas em sala de aula por dezesseis horas na UPF. E eu ficava os horários nos quais não estava em sala de aula estudando e preparando as aulas para cumprir bem o meu papel.
Coincidência ou não, em 01 de março de 1986, com vinte anos, comecei minha jornada de professor universitário, lecionando Metodologia Científica e Introdução à Filosofia para diversos Cursos da Universidade. Embora com a pouca experiência de magistério do ano anterior, igualmente a adrenalina se fez presente na estréia e nos meses que se sucederam. O cenário era outro, pois encontrava em alguns Cursos pessoas inclusive bem mais velhas e experientes que eu. Como manter a atenção e o interesse deles naquilo que eu trabalhava? Como fazer com que um jovem que mal havia entrado no Curso de Agronomia e que queria fazer análise de solo e aprender técnicas de manejo agrícola pudesse se voltar, ao menos por duas horas na semana, para discutir filosofia ou para aprender as normas da ABNT (contidas na ementa de Metodologia Científica)? E essa dúvida me acompanhava também na Educação Física, na Geografia, na Engenharia Mecânica, na Enfermagem, na Medicina, cursos para quem eu lecionei nos primeiros semestres.
Eu, que havia sido seminarista e que, ao deixar a trajetória rumo ao sacerdócio, por acaso, me vi guindado à situação de professor, mantendo minhas despesas com isso, pensava naquele momento: eu não estou preparado para entrar, nos próximos trinta anos, e lecionar sempre o mesmo conteúdo, repetindo a mesma ementa, de forma burocrática. Comecei a cogitar, nas primeiras semanas de aula, a possibilidade de arrumar outro emprego e investir noutra carreira.
Todavia, passado cerca de um mês de aula, lembro-me de estar lecionando a disciplina de Introdução à Filosofia no Curso de Educação Física quando, ao trabalhar alguns conceitos ligados ao existencialismo (angústia, consciência, vida e morte, etc.) fiz alguns comentários e percebi que, ao fundo da sala, uma aluna começou a chorar discretamente. Conversei com ela ao final e ela me agradeceu porque falei coisas que a levaram a compreender melhor uma dada situação existencial pela qual passava e que a angustiava. Não recordo o nome dela, talvez fosse Rosa (parafraseando Humberto Eco em “O nome da rosa”), mas devo boa parte do que sou a este momento por ela protagonizado, pois foi a partir deste momento que descobri o encanto disso que faço e que me apaixonei pelo que faço.
Nestes anos todos, ainda que a ementa fosse a mesma, jamais ministrei a mesma aula; pois as pessoas para as quais ministrei as disciplinas eram diferentes, tinham dúvidas, expectativas, concepções, vivências distintas. E eu me apercebi que esta coisa chamada magistério é mágica, pois nós mexemos com a sensibilidade, com as emoções, com o humor das pessoas, e somos marcados por elas de igual maneira. E lá se vão 28 anos desde a primeira vez!
De lá para cá me aperfeiçoei, estudei, aprendi, acertei e errei, mas vivi intensamente o que escolhi como profissão e, mais do que isso, abracei como projeto de vida.
A defesa do Eder é um importante capítulo nesta minha caminhada, momento mágico numa trajetória nem sempre fácil ou compreendida. Que bom que pude estar presente e testemunhar a conquista de mais um grande pesquisador, de alguém que parece também ter decidido abraçar o magistério e que começa a consolidar a própria caminhada enquanto docente universitário.
Um dia 01 de março e dois momentos mágicos na vida de um gaúcho, gremista e livre pensador. Obrigado a todos aqueles e aquelas que tornaram possíveis estes dois momentos mágicos em minha existência.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

VIDA E MORTE EM TRÊS MOMENTOS


28 de fevereiro, apenas uma data no calendário. Mas como o calendário é um constructo humano, cada pessoa traz em si a possibilidade de significação e ressignificação do tempo, dos dias, do calendário. Os planetas, as estrelas, as constelações, as marés, as rochas e as plantas não têm a percepção do tempo e não o organizam, ainda que estejam inseridos no fluxo tocado pelo deus Cronos (Κρόνος). Nós, seres humanos, ousamos sentar no trono de Cronos e pretendemos controlar o tempo, organizá-lo, driblá-lo, ultrapassá-lo.
28 de fevereiro, dia importante na minha percepção e na minha ótica do tempo, pois me remete a pensá-lo em termos de vida e morte, a partir de três momentos ou situações.

Momento 1 – Em âmbito mundial, a renúncia de Bento XVI

Após oito anos de Pontificado, Bento XVI surpreende o mundo e renúncia ao cargo supremo da Igreja Católica e à chefia do Estado do Vaticano, algo raríssimo na trajetória de quase dois milênios de cristianismo (somente ocorreu três vezes, sendo a mais recente em 1415, com Gregório XII). Como compreender o gesto de Bento XVI? O que levou o homem Joseph Ratzinger a abrir mão de tamanho poder e responsabilidade para decidir-se pelo recolhimento, aos 85 anos, à vida monástica, de escritos e orações?
Cansado, desiludido com a corrupção, com os escândalos sexuais e com a mentalidade estratégico-instrumental daqueles que estão mais próximos ao poder na Instituição eclesial, o velho Pontífice assume um gesto dramático, de auto-imolação, sem corpo rijo, mas ainda assim tanática. Lincoln, Getúlio Vargas, Allende, foram estadistas que tiraram a vida para marcar, com sangue e morte, o prenúncio de uma nova vida, na expectativa de que o gesto de sacrifício fosse o gerador de um despertar de todos os seus para uma nova ordem, para uma nova era, superando as amarras de um contexto que julgavam intransponível pelas vias normais da política. E com Ratzinger não parece ser diferente.
Ratzinger foi o protagonista e o articulador de boa parte da história recente da Igreja Católica: a) Sua atuação como teólogo, comandando a Congregação para a Doutrina da Fé, versão contemporânea da Inquisição, arrefeceu o ânimo, a articulação e a expressão mundial de movimentos como a Teologia da Libertação, reduzindo o ímpeto do modelo político-organizacional desta, as Comunidades Eclesiais de Base. Quem não se lembra do então padre e teólogo brasileiro Leonardo Boff, proibido pelo Cardeal Ratzinger de qualquer manifestação pública por anos em face das idéias que apresentava no livro que escreveu (Igreja, carisma e poder). Isso significou uma guinada para uma postura dogmática e conservadora na Igreja Católica a partir de meados da década de 1980, desencantando aqueles cristãos que acreditavam no aprofundamento das reformas iniciadas com o Concílio Vaticano II, na década de 1960. Movimentos carismáticos, conservadores, baseados no vetor de um ritualismo piedoso e emotivo, proliferaram pelo mundo a partir de então, ao invés do cristianismo engajado na transformação social e no combate às injustiças e à exploração humana.
b) A força do convencimento pela palavra, a consistência na discussão dos temas teológicos, a discrição e comedimento nos movimentos, a habilidade de articulação política, todas estas foram características que tornaram Joseph Ratzinger influente no processo de eleição de Karol Wojtyla como João Paulo II. Permitiram também que, aos poucos, ele fosse se tornando balizador do discurso do então Papa, de saúde já combalida pelos efeitos do atentado que quase o matou e das complicações advindas disso e do avançar da idade. Atento observador do cenário, Ratzinger percebeu o quanto João Paulo II ficou vulnerável e suscetível ao domínio do establishment que gira em torno do Vaticano, que usou o velho Pontífice polonês e o carisma amealhado por este junto à comunidade mundial e aos fiéis para fazer valer seus interesses, nem sempre dignos de louvor, por vezes até espúrios, seja via Banco do Vaticano, seja em países onde este grupo tinha razões para atuar ou objetivos específicos a atingir.
c) Ao longo do Pontificado de João Paulo II, Ratzinger pavimentou sua condução ao papado, ao influenciar na indicação de novos Bispos e Cardeais que estavam alinhados com seu pensamento teológico e que o tinham como referência intelectual e moral. Tal como um hábil artista, como o Michelangelo a esculpir Moisés, Ratzinger moldou o Colegiado de Cardeais que, com a morte de João Paulo II, o elegeu Sumo Pontífice. Oito anos se passaram e este Colegiado, porém, já está envelhecido, até mesmo para apoiá-lo significativamente ante os reveses da política vaticana e da luta nas entranhas do poder romano; muitos destes Cardeais sequer reúnem condições formais de participarem da escolha do próximo Papa, pelo avançado da idade.
d) Diante deste cenário e vendo que poderia repetir o papel de João Paulo II, tornando-se instrumento de operacionalização dos projetos e interesses de alguns Cardeais da Cúria Romana, ávidos pelo poder e pelas benesses que este confere a quem o detém, Ratzinger mais uma vez surpreende pelo brilhantismo político. Imolando-se politicamente, ele abre espaço para um destes caminhos: ou esse grupo de poder paralelo do Vaticano sai das sombras e faz um candidato próprio, arcando com o ônus político de uma tomada direta do poder papal, pelos compromissos e acordos necessários para conseguir os votos suficientes; ou então esse grupo será substituído por novas e diferentes forças emergentes nas periferias da Igreja Católica; há ainda uma terceira possibilidade, de busca de um nome conservador, capaz de tolerar os abusos dos primeiros, coisa que Ratzinger não mais suportou, e de permitir maior espaço político aos últimos, algo que Ratzinger não conseguia realizar, ante suas convicções de fundo teológico. Antes de sair, porém, Ratzinger tratou de coibir alguns desmandos e interesses deste grupo de poder paralelo, afastando pessoas da cúpula do Banco do Vaticano, do corpo diplomático e da própria Cúria Romana; mexeu peças para facilitar candidaturas e para tornar menos fácil o advento de outras candidaturas a sua sucessão; foram trinta dias em que capitalizou a admiração de alguns, proporcional ao número de poderosos inimigos que arrumou. Nos últimos movimentos da partida, as cartas foram internamente mostradas e conhecidas; as composições e alianças já estão sendo construídas. O Conclave marcará a rodada derradeira desta partida; mas outras partidas serão jogadas pelo novo Pontífice. O grão morre para que dele surja a nova planta e, nesta transmutação que ocorre no tempo e no espaço, morte e vida se completam, se necessitam, se possibilitam. A quebra do anel, a retirada da sapatilha vermelha: morre um Papa, renasce um homem, que se tornou grande ao desdenhar do poder terreno, meta obcecada de muitos dos que o rodeavam, para recolher-se ao anonimato e à discrição de livros e escritos. Auf wiedersehen, Bento XVI; vá em paz, Joseph Ratzinger. 28 de fevereiro, o ocaso de um Pontificado, a possibilidade de uma vida nova.

Momento 2 – Em âmbito local, o resultado do Mestrado

O Programa de Pós-Graduação no qual atuo realizou seleção de Mestrado ao longo das últimas duas semanas, que culmina com o resultado a ser divulgado hoje, 28 de fevereiro de 2012. No cenário das provas escritas, vi pessoas com rostos esperançosos, com gestos nervosos, com expressões de aflição e de angústia; e esse cenário foi se repetindo ao longo das demais etapas (Prova de Língua Estrangeira, Entrevista). Dos quase cem candidatos postulantes a pouco mais de trinta vagas, muitos ficaram pelo caminho e outros se defrontarão com a situação, hoje, de terem chegado à última etapa, mas não conseguirem a aprovação.
Em cada rosto que vejo, em cada pessoa que entrevisto ou avalio, percebo sonhos, planos, desejos, expectativas, razões que as moveram na empreitada de investir tempo, dinheiro, energia, vida, na busca de uma oportunidade de continuar seus estudos em nível de pós-graduação numa Instituição Pública. Cada um destes atores com os quais interajo durante o processo seletivo se encontra em nível próprio de caminhada, de maturidade intelectual, emocional, profissional, humana. Muitos deles, dadas às contingências existenciais e à correria nas quais estão imbricados, talvez sequer se apercebam da própria condição ou situação. E quiçá nós mesmos, os docentes que os estamos avaliando, sejamos juízes-penitentes, como dizia Albert Camus, pois quem sabe estejamos na mesma situação de dificuldade de autocompreensão do nosso dasein, do nosso ser ou estar no aí do mundo.
A sensação de dor, de decepção, de raiva, de indignação, de incompreensão, em suma, de morte, que pode brotar do insucesso num concurso como este é grande. Isso porque, quando somos avaliados e não aprovados, instaura-se uma gama de sentimentos nem sempre claros. Sentimo-nos rejeitados, impotentes, desvalorizados, porque de algum modo a visão que temos do mundo e de determinados problemas existentes na sociedade foram colocadas em xeque, o projeto que pretendíamos desenvolver não foi considerado relevante, o conhecimento que temos acumulado sobre determinada área da sociedade não se mostrou suficiente para garantir a continuidade de uma caminhada, os argumentos que julgávamos consistentes não bastaram para conquistarmos uma vaga. Nossa trajetória de vida, rica em experiências e aprendizados existenciais, acaba pulverizada sob os parâmetros frios e técnicos de pontuação curricular ancorados nas diretrizes das Instituições governamentais de avaliação da Pós-Graduação.
E diante das dificuldades que enfrentamos para compreender os textos dos autores indicados para a seleção, do esforço hercúleo que nos é impingido na tradução exigida na prova de Língua Estrangeira, do domínio prévio de autores especializados na temática que escolhemos como projeto de pesquisa, nossa sensação é de insuficiência. Quantas vezes, socraticamente, nos vemos na dura impressão do “só sei que nada sei”. Lembro-me vivamente de uma situação na qual, preterido numa seleção similar a esta, sentia-me sem chão, sem perspectiva, com a percepção de que fiz muitas coisas na vida, que gastei tempo e envelheci, mas que isto não foi o bastante para preencher as lacunas na minha formação. E aí vem uma espécie de melancolia pelo tempo perdido, pelos livros que não li, pelas palestras que não assisti, pelos idiomas que não aprendi, pela maturação que eu julgava existir, mas que não foi reconhecida pela alteridade, por aqueles que, num dado contexto, estavam me avaliando. Que dor! Que gosto amargo! Que decepção! O que dizer aos amigos, aos colegas de trabalho, aos familiares, aos que torciam por mim? Há uma mortificação em cada reprovação, em cada insucesso, em cada fracasso, em cada queda.
Mas o mundo não acaba em 28 de fevereiro. Nietzsche dizia que o que não nos mata nos torna mais fortes; e da sensação de mortificação surge o combustível para a vida nova – esta é a base das utopias que movem a espécie humana ao longo da história. Utopia (οὐ-τόπος) é tomada por alguns como “não lugar”, inexorável, intransponível, inamovível. Mas para os que fazem história, para aqueles que acreditam firmemente que não vieram ao mundo a passeio, apenas para ocupar burocraticamente um espaço no planeta, utopia significa “não lugar ainda”, e implica que é possível construir as condições objetivas para fazer com que algo novo aconteça, desde que nos movamos e esforcemos nesta direção.
Encontrei, neste ano, pessoas que participaram de outras seleções e que retornaram; algumas delas tiveram êxito e, nos casos em que se tratava de candidatos inscritos na Linha de Pesquisa onde atuo, percebi que tais pessoas chegaram mais maduras, com foco, superando deficiências reveladas em outros concursos, melhorando o currículo, com proficiência maior de língua estrangeira, com prova escrita melhor elaborada. É a fênix em seu ressurgir, é a morte tornando-se vida mais vigorosa. Aos que não obtiveram sucesso neste ano, coragem, força e auto-superação; aos que atingiram seu objetivo, que percebam ser este um começo de caminhada e que aprendam a manter a atitude da busca pelo aperfeiçoamento.

Momento 3 – Em âmbito pessoal, o aniversário de um anjo de luz

28 de fevereiro de 1941. Em plena II Guerra Mundial, nasceu num lugarejo recôndito do sul do Brasil uma pessoa que trazia dentro de si um dom, revelado a todos ao longo de um curto período de vida terrena, que se interrompeu em 15 de novembro de 2009, em face de um câncer agressivo e raro: seu nome era Teresinha Lori, ou simplesmente Lori. O dom que ela tinha era uma capacidade de trazer luz aos ambientes nos quais passava e à vida das pessoas que com ela conviviam. Sempre solícita, jamais dizendo não aos pedidos por ajuda ou atenção, esta mulher semeou vida por onde passou. Seus exemplos, suas palavras, sua discrição, seu jeito simples de ser, seu senso de justiça e de equidade, foram irradiados a todos os que tiveram o privilégio da sua convivência. Mesmo nos momentos de maior dor e sofrimento, já perto de sua morte, ela era capaz de uma palavra de consolo a nós, como que a prenunciar sua partida. E dias antes de partir, no último momento de lucidez que a natureza lhe conferiu, ela se despediu de todos, dizendo que gostava de rosas vermelhas e que queria ser envolta com um manto de rosas quando partisse; e sua vontade se fez. Ela era uma mulher que tinha sua fé cristã e que acreditava na possibilidade do paraíso. Quando penso nela, imagino que, se houver um paraíso, ela se transformou num anjo de luz e foi habitar junto a um cantinho semelhante a este retratado no vídeo abaixo; e se não houver paraíso, se tudo for matéria e átomo, certamente os seus átomos migraram para este lugar e estão conectados a esta ilha.



Este anjo de luz completaria hoje 72 anos; e a saudade que a sua morte deixa, e a força de vida que ela desperta em mim para continuar vivendo, apesar das agruras, faz com que eu compreenda que a frase “nada como o tempo para superar a ausência” não tem o menor sentido. Espero sempre estar à altura dos seus ensinamentos e honrar a sua trajetória de luz. Feliz aniversário, Lori, onde quer que você esteja, qualquer que seja a forma como esteja. Grato por tudo, mãe.