A escolha de Jorge Mário Bergoglio, Cardeal
Arcebispo de Buenos Aires, para assumir a função de Bispo de Roma e, nesta condição,
tornar-se o novo Papa da Igreja Católica Apostólica Romana, surpreendeu a todos
e contrariou apostas e torcidas.
Igual surpresa ocorreu pela definição do
nome adotado pelo novo Pontífice, a partir de agora denominado Francisco. A
mídia brasileira, em sua grande maioria mobilizada e abobalhada
em face da torcida pelo Cardeal brasileiro, Odilo Scherer, imediatamente
conectou o nome escolhido a Francisco de Assis. Exatamente porque, na condição
de torcedora, a imprensa não cogitava um Papa sul-americano que não fosse o
Bispo de São Paulo, e sequer se deu conta que o fato de Bergoglio ser da
Companhia de Jesus, o primeiro dentre os jesuítas a chegar ao papado desde a
fundação da referida Instituição religiosa (1534), remete a escolha do seu nome
de Papa a São Francisco Xavier, um dos fundadores da Companhia de Jesus.
E que importância tem isso?
Segundo a tradição da Igreja Católica, o
nome é selecionado pelo novo Pontífice e significa um diapasão a sinalizar a
direção política do seu governo. Se a referência fosse o Francisco de Assis,
apontaria para um projeto de Igreja voltada aos pobres, preocupada com o
combate às injustiças e à miséria. Já a lembrança de Francisco Xavier remete ao
missionário de uma Ordem fundada sob parâmetros militares e encarregada da
expansão do Cristianismo pelas Américas e pelo oriente, pela evangelização e
catequização, aliada às forças europeias que conquistaram e subjugaram as
colônias a partir do século XIV.
Para qual Igreja apontará o Pontificado
de Francisco? Alguns indicativos de seu currículo são importantes para
vislumbrarmos tendências.
Pairam desconfianças sobre o
envolvimento de Bertoglio, ou ao menos sobre o seu silêncio, no tocante ao período da
ditadura militar argentina e as atrocidades cometidas pelos governantes nesta época.
Em período mais recente, tornaram-se
conhecidas suas manifestações contra a Presidente Cristina Kirchner pelo fato
desta ter apoiado a possibilidade do casamento homo-afetivo em plagas
portenhas. Ademais, seus discursos contrários ao aborto, mesmo em situações de
estupro, também marcaram os momentos mais recentes de suas aparições no cenário
político do país vizinho.
Por outro lado, paralelo a esta postura
conservadora e dogmática, digna da atuação originária jesuíta, sua preocupação
com a pastoral e sua manifestação contra a miséria e a exploração dos pobres
mostra uma figura atenta aos explorados e excluídos da sociedade.
Outro ponto favorável a Bergoglio parece
ser a forma humilde e amável de se colocar junto ao povo, retratada pelo seu
estilo de vida frugal e simples, e expressa já nas primeiras ações enquanto
Papa, pedindo ao povo presente na Praça do Vaticano uma primeira oração de
bênção sobre o seu Pontificado. O gesto de curvar-se em silêncio para ouvir
essa oração-bênção popular soa como a busca por legitimação da soberania popular
para uma autoridade institucional de abrangência mundial.
As características de Bergoglio
supracitadas lembram em boa parte as características de Karol Woytila quando
assumiu, sob a desconfiança do mundo, o seu Pontificado; com um jeito
comunicativo e cativante, João Paulo II logo caiu na simpatia do povo, pois
parecia o avô que todos nós queríamos ter em casa. Mas a conduta política de
João Paulo II sempre foi conservadora e forte no que tange à manutenção da
tradição da Igreja.
Bergoglio foi eleito pelos Cardeais numa
batalha entre o grupo dos detentores do poder vaticano e aqueles que não mais
os queriam no poder. As especulações
apontam para o fato de que Ratzinger trombara contra os primeiros e por causa
da força destes optou pela renúncia. Os
primeiros tinham no italiano Ângelo Scola o seu expoente maior e no Cardeal
Scherer um escudeiro fiel que se transformou em “boi de piranha” na campanha de
desconstrução promovida pela imprensa italiana, criticado que foi pelas gafes e
pela postura política.
Neste cenário de duro confronto, o
Cardeal Arcebispo de Tegucigalpa/Honduras, Óscar Rodríguez Maradiaga, salesiano que preside a Cáritas Internacional
desde 2007 e que goza de grande prestígio entre os Cardeais, se revelou como o
grande articulador da candidatura de Bergoglio. O Argentino, cogitado como o
candidato anti-Ratzinger quando da escolha deste como Bento XVI, voltou á cena
como opção e alternativa política, pois representa a novidade sem mudanças
drásticas. E na Igreja Católica (talvez nas
Igrejas como um todo), a máxima mais praticada pode ser traduzida na expressão do
escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) “tudo deve mudar para que tudo fique como
está”.
Resta-nos
aguardar e observar que Francisco vai inspirar ao novo Papa: o de Assis ou o
Xavier. Teremos um Papa junto do povo, dos humildes e dos pobres, com uma
Igreja que o acompanhe nessa perspectiva? Ou teremos um conquistador de fiéis
com fala mansa, carismático nos gestos e conservador nos discursos e nas
decisões políticas? Meu palpite é que o Xavier é mais forte; afinal de contas,
jesuíta é jesuíta, heri et hodie et in
perpetuum.
Penso que uma análise com essa profundidade será difícil ser encontada em outros lugares. Pelo que pude perceber, talvez as mudanças institucionais tão esperadas ainda irão demandar muito tempo...
ResponderExcluir“E o verbo se fez carne e habitou entre nós” (João 1:14). Verbo é a palavra que do ponto de vista semântico contém a ideia do agir, daí a importância de conhecermos os motivos da escolha do nome Francisco para o Papa Bergoglio. Este texto do Gilvan é muito esclarecedor!
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