quarta-feira, 13 de março de 2013

HABEMUS PAPAM!


A escolha de Jorge Mário Bergoglio, Cardeal Arcebispo de Buenos Aires, para assumir a função de Bispo de Roma e, nesta condição, tornar-se o novo Papa da Igreja Católica Apostólica Romana, surpreendeu a todos e contrariou apostas e torcidas.
Igual surpresa ocorreu pela definição do nome adotado pelo novo Pontífice, a partir de agora denominado Francisco. A mídia brasileira, em sua grande maioria mobilizada e abobalhada em face da torcida pelo Cardeal brasileiro, Odilo Scherer, imediatamente conectou o nome escolhido a Francisco de Assis. Exatamente porque, na condição de torcedora, a imprensa não cogitava um Papa sul-americano que não fosse o Bispo de São Paulo, e sequer se deu conta que o fato de Bergoglio ser da Companhia de Jesus, o primeiro dentre os jesuítas a chegar ao papado desde a fundação da referida Instituição religiosa (1534), remete a escolha do seu nome de Papa a São Francisco Xavier, um dos fundadores da Companhia de Jesus.
E que importância tem isso?
Segundo a tradição da Igreja Católica, o nome é selecionado pelo novo Pontífice e significa um diapasão a sinalizar a direção política do seu governo. Se a referência fosse o Francisco de Assis, apontaria para um projeto de Igreja voltada aos pobres, preocupada com o combate às injustiças e à miséria. Já a lembrança de Francisco Xavier remete ao missionário de uma Ordem fundada sob parâmetros militares e encarregada da expansão do Cristianismo pelas Américas e pelo oriente, pela evangelização e catequização, aliada às forças europeias que conquistaram e subjugaram as colônias a partir do século XIV.
Para qual Igreja apontará o Pontificado de Francisco? Alguns indicativos de seu currículo são importantes para vislumbrarmos tendências.
Pairam desconfianças sobre o envolvimento de Bertoglio, ou ao menos sobre o seu silêncio, no tocante ao período da ditadura militar argentina e as atrocidades cometidas pelos governantes nesta época.
Em período mais recente, tornaram-se conhecidas suas manifestações contra a Presidente Cristina Kirchner pelo fato desta ter apoiado a possibilidade do casamento homo-afetivo em plagas portenhas. Ademais, seus discursos contrários ao aborto, mesmo em situações de estupro, também marcaram os momentos mais recentes de suas aparições no cenário político do país vizinho.
Por outro lado, paralelo a esta postura conservadora e dogmática, digna da atuação originária jesuíta, sua preocupação com a pastoral e sua manifestação contra a miséria e a exploração dos pobres mostra uma figura atenta aos explorados e excluídos da sociedade.
Outro ponto favorável a Bergoglio parece ser a forma humilde e amável de se colocar junto ao povo, retratada pelo seu estilo de vida frugal e simples, e expressa já nas primeiras ações enquanto Papa, pedindo ao povo presente na Praça do Vaticano uma primeira oração de bênção sobre o seu Pontificado. O gesto de curvar-se em silêncio para ouvir essa oração-bênção popular soa como a busca por legitimação da soberania popular para uma autoridade institucional de abrangência mundial.
As características de Bergoglio supracitadas lembram em boa parte as características de Karol Woytila quando assumiu, sob a desconfiança do mundo, o seu Pontificado; com um jeito comunicativo e cativante, João Paulo II logo caiu na simpatia do povo, pois parecia o avô que todos nós queríamos ter em casa. Mas a conduta política de João Paulo II sempre foi conservadora e forte no que tange à manutenção da tradição da Igreja.
Bergoglio foi eleito pelos Cardeais numa batalha entre o grupo dos detentores do poder vaticano e aqueles que não mais os queriam no poder.  As especulações apontam para o fato de que Ratzinger trombara contra os primeiros e por causa da força destes optou pela renúncia.  Os primeiros tinham no italiano Ângelo Scola o seu expoente maior e no Cardeal Scherer um escudeiro fiel que se transformou em “boi de piranha” na campanha de desconstrução promovida pela imprensa italiana, criticado que foi pelas gafes e pela postura política.
Neste cenário de duro confronto, o Cardeal Arcebispo de Tegucigalpa/Honduras, Óscar Rodríguez Maradiaga, salesiano que preside a Cáritas Internacional desde 2007 e que goza de grande prestígio entre os Cardeais, se revelou como o grande articulador da candidatura de Bergoglio. O Argentino, cogitado como o candidato anti-Ratzinger quando da escolha deste como Bento XVI, voltou á cena como opção e alternativa política, pois representa a novidade sem mudanças drásticas. E na Igreja Católica (talvez nas Igrejas como um todo), a máxima mais praticada pode ser traduzida na expressão do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
Resta-nos aguardar e observar que Francisco vai inspirar ao novo Papa: o de Assis ou o Xavier. Teremos um Papa junto do povo, dos humildes e dos pobres, com uma Igreja que o acompanhe nessa perspectiva? Ou teremos um conquistador de fiéis com fala mansa, carismático nos gestos e conservador nos discursos e nas decisões políticas? Meu palpite é que o Xavier é mais forte; afinal de contas, jesuíta é jesuíta, heri et hodie et in perpetuum.

2 comentários:

  1. Penso que uma análise com essa profundidade será difícil ser encontada em outros lugares. Pelo que pude perceber, talvez as mudanças institucionais tão esperadas ainda irão demandar muito tempo...

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  2. “E o verbo se fez carne e habitou entre nós” (João 1:14). Verbo é a palavra que do ponto de vista semântico contém a ideia do agir, daí a importância de conhecermos os motivos da escolha do nome Francisco para o Papa Bergoglio. Este texto do Gilvan é muito esclarecedor!

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