quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

GOOD MORNING, VIETNAM, PERO GAUDÉRIO!

GOOD MORNING, VIETNAM, PERO GAUDÉRIO!

No filme “Good morning, Vietnam”, o protagonista, Robin Williams (Adrian Cronauer), é um soldado que desempenha as funções de radialista no acampamento norte-americano no Vietnã. Com a moral das tropas em baixa pelas derrotas no campo de batalha e com os horrores sofridos e impingidos na guerra, a tarefa que lhe cabe de animar os soldados é bastante ingrata. Entretanto, com humor e picardia, Cronauer consegue fazer troça das situações difíceis e tornar o ambiente mais ameno; conversando com os soldados, ele começa a conhecer cada um pelo nome, apelido, casos engraçados vividos pelos mesmos, gostos musicais, e leva isso para as “ondas do rádio”, tornando seu microfone um instrumento de afetuosidade, de familiaridade, de conforto e carinho diante das agruras do contexto. A cada alvorada, os soldados são despertados com o brado: Good morning, Vietnam! E esse brado inicia um ritual de enfrentamento cotidiano das adversidades que vai se estender ao longo de mais uma jornada cujo desfecho ninguém sabe. Chegar vivo ao final do dia e estar vivo em cada amanhecer para ouvir o brado de Williams já é, para cada um dos soldados, uma vitória e uma batalha superada.
Good morning, Vietnam” me remete a Nietzsche, quando em “Assim falava Zaratustra” diz que o super—homem é aquele que se apercebe estando a andar sobre uma corda bamba, da qual pode cair a qualquer momento, mas apesar disso é capaz de dançar e fazer malabarismos sobre ela.
Hoje, não sou poucas as agruras do dia-a-dia: miséria, violência, fome, exploração, consumismo, escassez, exclusão, destruição ambiental, racismo, preconceitos, desemprego, injustiças. E, diante de tudo isso, em muitas vezes, tornamo-nos ressentidos, amargurados, apáticos, ou porque não compreendemos precisamente o que está havendo e qual “o bonde que nos atropelou”, ou porque somos abalroados por “bondes” tão poderosos e avassaladores que sequer temos forças para reagir e nos sentimos impotentes, ou ainda porque reagir implica sair de certa zona de conforto à qual nos confinamos e da qual teremos que sair se quisermos transformar as patologias à nossa volta, daí que se torna mais fácil deixar prá lá e continuar passivo. E assim seguimos: “eh, ohoh, vida de gado, povo marcado, povo feliz”, diz a música de Zé Ramalho; “seguimos no rebanho, como gado doméstico, conduzidos por tutores”, diz Immanuel Kant em “Resposta a pergunta que é o Aufklärung”.
Falar das patologias, identificá-las, este é o primeiro passo rumo à superação destas; propor alternativas de explicação e de resolução dos problemas, esse é o segundo passo a ser efetivado; não se levar tão a sério, a ponto de acreditar que se é o messias, o salvador da pátria, aquele que tem todas as verdades e respostas, esse é o terceiro e imprescindível passo, pois sem ele caímos no maniqueísmo e no totalitarismo, atitudes nada diferentes daqueles gregos ou romanos que condenavam quem não era nascido destes povos à condição de seres inferiores, sob o rótulo de bárbaros; ou ainda dos cristãos medievos e modernos que jogavam na fogueira da inquisição todos aqueles que não se submetiam passivamente às verdades da fé, rotulando-os de bruxos e hereges; ou então os revolucionários comunistas, que condenavam aos trabalhos forçados na Sibéria ou ao pelotão de fuzilamento aqueles que não percebiam a verdade revelada dos camaradas do Politburo, sob o pejo de burgueses; ou então aqueles que, nas ditaduras latino-americanas do século XX, eram torturados, mutilados ou mortos, sob o adesivo de comunistas devoradores de criancinhas, porque não compreendiam que os militares estavam, nas solas das botas, na borduna, no fuzil e no rastro dos tanques, trazendo a paz, a segurança, a ordem e o progresso.
Sim, este blog se propõe a falar, analisar, criticar, debater, propor, avaliar, mas no limite da autocompreensão da finitude de percepção do autor do mesmo. Que seja este um espaço de reflexão (dobrar-se sobre) acerca da vida, mas que seja também fonte de vida; que seja um disseminador de justiça, mas que não cometa injustiça; que promova a defesa dos direitos humanos, dos valores e da ética, mas que possa ser capaz de transcender posturas éticas em nome da moralidade exigida a um membro da espécie humana; e finalmente, que possa ser um lugar onde se promova a paz e onde as pessoas se sintam em paz. Mas de que paz falamos?
Não é a paz dos canhões, não é a paz dos túmulos, não é a paz da inércia: é uma paz gaudéria. Gaúcho que sou, desde cedo aprendi a ouvir expressões como “não tá morto quem peleia”e outras, como a que “fulano é um gaudério e  beltrano não é gaudério”, e me intrigava saber o que isto significava. As pessoas denominadas por este adjetivo (gaudério) eram pessoas tranquilas, ponderadas, equilibradas. Mais tarde, já adulto e nos meus estudos de latim, creio ter encontrado a origem desta palavra arraigada na cultura popular gaúcha. Gaudério parece derivar do latim “Gaudium”, que significa paz. O gaudério é o homem da paz, não de uma paz conformista e passiva, mas de uma paz construída e conquistada com esforços (“não tá morto quem peleia!”), na busca do equilíbrio e da serenidade que vem do dever cumprido (Kant chamou isto de sentimento moral).
Então, que este veículo de comunicação seja uma voz a despertar as consciências, um brado pela vida no amanhecer: GOOD MORNING, VIETNAM! Pero que seja um brado retumbante e, acima de tudo, GAUDÉRIO. Bem-vindos todos.