Sou um admirador
de quem sabe jogar Xadrez, pois considero a este como um dos jogos mais
representativos e desafiadores da capacidade racional humana, desenvolvendo
habilidades subjetivas e intersubjetivas a partir de um contexto objetivo.
Há uma
objetividade no Xadrez, marcada pela meta que, aos apressados e incautos, pode
parecer ser a mera conquista da vitória numa partida, mas que vai muito além
disso.
Em nome desta
objetividade, assim como há quem veja no Xadrez apenas um jogo cujo objetivo é
vencer a partida, há também quem queira reduzir o jogo ao simples cálculo
computacional e lógico de possibilidades de movimentos de peças, de forma fria
e asséptica, destituída de qualquer emoção ou aprendizado.
Um enxadrista é
colocado inicialmente numa disputa consigo mesmo, subjetiva, posto que se lhe
impingem exigências como concentração, atenção, visão periférica e holística do
tabuleiro (para que perceba a movimentação das peças), planejamento de jogadas,
avaliação de cenários e de possibilidades lógicas, versatilidade diante das
contingências do jogo, decisão firme, ousada ou conservadora, diante das
circunstâncias do jogo. Mas igualmente lhe são testadas o controle da
ansiedade, a reação emotiva diante das adversidades, o medo, a tranqüilidade, o
descuido, a capacidade de vencer e de perder, a euforia ou a decepção diante
dos resultados.
Todavia, no
Xadrez há fundamental e primordialmente um sentido intersubjetivo, a começar
pelo fato de que há um “outro” com o qual eu jogo e que se volta contra mim na
circunstância lúdica (adversário => “ad” = para; + “vertere” = voltar-se,
virar). Conhecer este outro, estar atento a ele, observar seus movimentos e
reações, compreender suas estratégias e a lógica dos seus movimentos, “ler” as
suas atitudes, eis um grande desafio que se apresenta e que implica em ver o
outro, estimar o outro, valorizar o outro, reconhecer a grandeza e a dignidade
do outro enquanto pessoa.
Ademais, além de
enfrentar-se a um oponente no jogo, há para ambos a presença de regras e
procedimentos inafastáveis, pois são republicanamente anteriores àquele jogo e
servem de parâmetro a todo e qualquer jogo de Xadrez, numa universalidade que
extrapola cor, sexo, idade, etnia, fatores econômicos, religião, geografia ou
política.
As regras e
procedimentos com validade universal, contudo, não engessam a criatividade ou a
individualidade, que se mostram no desenrolar da própria partida, nas decisões,
movimentos, estratégias e ações dos participantes.
Outro aspecto
primordial que deve ser levado em conta é o caráter lúdico do Xadrez: é um
jogo! E isso significa, dentre outras coisas, que permite o lazer, a
descontração, a convivência, a leveza da vida nesta “insustentável leveza do
ser”. Há no jogo uma inutilidade e na inutilidade uma resistência à redução do
humano ao “que serve para algo”, que pode ser usado em todas as circunstâncias;
afinal de contas, como dizia a banda Ultraje
a Rigor, em música épica, “a gente somos inútil”.
Mas o fato de
ser inútil não torna o Xadrez sem significado ou importância; muito ao
contrário, ele é uma imensa oportunidade de aprendizado para as demais
atividades e dimensões da existência humana, constituindo-se num manancial de
metáforas e lições, aplicáveis aos diferentes campos da sociedade.
Por tudo isso, o
Xadrez tem como finalidade muito mais do que a simples vitória numa contenda
entre dois oponentes, mas a possibilidade de desenvolvimento do maior atributo
que a natureza nos legou, a capacidade racional de um ser sensorial. No Xadrez,
como diria o comentarista da ESPN Paulo Antunes, “temos um jogo!”
Respeitável Guru, Salve, Salve!
ResponderExcluirSerei obrigado a partilhar de seu texto com meus companheiros de trabalho,sua metáfora é perfeita para nosso momento.
Abção