segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O XADREZ: UMA ODE À CAPACIDADE HUMANA


Sou um admirador de quem sabe jogar Xadrez, pois considero a este como um dos jogos mais representativos e desafiadores da capacidade racional humana, desenvolvendo habilidades subjetivas e intersubjetivas a partir de um contexto objetivo.
Há uma objetividade no Xadrez, marcada pela meta que, aos apressados e incautos, pode parecer ser a mera conquista da vitória numa partida, mas que vai muito além disso.
Em nome desta objetividade, assim como há quem veja no Xadrez apenas um jogo cujo objetivo é vencer a partida, há também quem queira reduzir o jogo ao simples cálculo computacional e lógico de possibilidades de movimentos de peças, de forma fria e asséptica, destituída de qualquer emoção ou aprendizado.
Um enxadrista é colocado inicialmente numa disputa consigo mesmo, subjetiva, posto que se lhe impingem exigências como concentração, atenção, visão periférica e holística do tabuleiro (para que perceba a movimentação das peças), planejamento de jogadas, avaliação de cenários e de possibilidades lógicas, versatilidade diante das contingências do jogo, decisão firme, ousada ou conservadora, diante das circunstâncias do jogo. Mas igualmente lhe são testadas o controle da ansiedade, a reação emotiva diante das adversidades, o medo, a tranqüilidade, o descuido, a capacidade de vencer e de perder, a euforia ou a decepção diante dos resultados.
Todavia, no Xadrez há fundamental e primordialmente um sentido intersubjetivo, a começar pelo fato de que há um “outro” com o qual eu jogo e que se volta contra mim na circunstância lúdica (adversário => “ad” = para; + “vertere” = voltar-se, virar). Conhecer este outro, estar atento a ele, observar seus movimentos e reações, compreender suas estratégias e a lógica dos seus movimentos, “ler” as suas atitudes, eis um grande desafio que se apresenta e que implica em ver o outro, estimar o outro, valorizar o outro, reconhecer a grandeza e a dignidade do outro enquanto pessoa.
Ademais, além de enfrentar-se a um oponente no jogo, há para ambos a presença de regras e procedimentos inafastáveis, pois são republicanamente anteriores àquele jogo e servem de parâmetro a todo e qualquer jogo de Xadrez, numa universalidade que extrapola cor, sexo, idade, etnia, fatores econômicos, religião, geografia ou política.
As regras e procedimentos com validade universal, contudo, não engessam a criatividade ou a individualidade, que se mostram no desenrolar da própria partida, nas decisões, movimentos, estratégias e ações dos participantes.
Outro aspecto primordial que deve ser levado em conta é o caráter lúdico do Xadrez: é um jogo! E isso significa, dentre outras coisas, que permite o lazer, a descontração, a convivência, a leveza da vida nesta “insustentável leveza do ser”. Há no jogo uma inutilidade e na inutilidade uma resistência à redução do humano ao “que serve para algo”, que pode ser usado em todas as circunstâncias; afinal de contas, como dizia a banda Ultraje a Rigor, em música épica, “a gente somos inútil”.
Mas o fato de ser inútil não torna o Xadrez sem significado ou importância; muito ao contrário, ele é uma imensa oportunidade de aprendizado para as demais atividades e dimensões da existência humana, constituindo-se num manancial de metáforas e lições, aplicáveis aos diferentes campos da sociedade.
Por tudo isso, o Xadrez tem como finalidade muito mais do que a simples vitória numa contenda entre dois oponentes, mas a possibilidade de desenvolvimento do maior atributo que a natureza nos legou, a capacidade racional de um ser sensorial. No Xadrez, como diria o comentarista da ESPN Paulo Antunes, “temos um jogo!”
          

Um comentário:

  1. Respeitável Guru, Salve, Salve!
    Serei obrigado a partilhar de seu texto com meus companheiros de trabalho,sua metáfora é perfeita para nosso momento.
    Abção

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