segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Auf Wiedersehen 2013! Willkommen 2014!

Acabou! O que dava para ser feito, foi feito! Se foi bem feito ou não, se deu o resultado esperado ou não, se valeu a energia despendida ou se ela foi desperdiçada, agora já não importa: 2013 se esgotou. Mais um ano que você e eu vivemos, mais um ciclo da existência que se confirma, mais um tempo que se evaporou por entre as sensações do pulsar dos corpos em constante transformação no espaço.
E o momento é ambíguo, pois envolve sentimentos de tristeza e frustração, intercalados com outros de expectativa e de alegria
A frustração e a tristeza vêm pelas pessoas que partiram, pelas coisas que desejamos e não obtivemos, pelos projetos que lançamos (pro-jectum) e não realizamos, pelas obras que queríamos ler ou escrever e que não nos demos a condição, pela reeducação alimentar que prometemos adotar e que as nossas calorias denunciam não ter sido cumprida, pela palavra que queríamos ter dito e faltou na hora adequada, pela frase dita que merecia não ter sido expressa, pelos “mergulhos retidos que nos deixam estranhas câimbras” (M. Proust).
Mas também vem a expectativa e a alegria, por aquilo que realizamos, por aqueles a quem cativamos e fomos cativados, por aquilo que produzimos e que se torna nossa marca no mundo, pelos que amamos, pelas batalhas que enfrentamos com galhardia e pela paz que conquistamos com esforço, pelos projetos que tiveram sucesso e pelo aprendizado daqueles cujo êxito foi diverso do inicialmente especulado, e pela possibilidade disso continuar a acontecer no ano que se mostra no horizonte.  
Neste ano acumulei doces e amargas lições, que me acompanharão para sempre. E talvez a maior delas seja a de que somos poeira ao vento, ou pouco mais que isso.


Diante de todas as circunstâncias deste ano de 2013, que se mostra nos seus últimos suspiros, só me resta agradecer a possibilidade de estar aqui, vivo e com capacidade de expressar o que penso e o que sinto, graças ao mistério do acontecer humano no Universo.

A Vocês, amigos e amigas, que fizeram parte da minha vida em 2013 e que tornam a vontade de continuar vivendo algo ainda presente em mim, meu carinho, minha gratidão pelo aprendizado que me propiciaram e pelo espaço que me permitiram, num tempo tão escasso e precioso que é o do estar no aí, de transitar pela existência de vocês. 


Feliz 2014 a todos e a todas, com carinho e admiração! 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Ode a um gigante que partiu!




VOCÊ ME ELEVA
Você me levanta
Quando eu estou abatido, oh minha alma tão cansada
Quando preocupações surgem e meu coração fica carregado
Então eu me acalmo e espero aqui em silêncio
Até você vir e sentar-se por algum tempo comigo.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros
Você me levanta, mais do que eu posso ser.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros
Você me levanta para ser mais do que eu posso ser.
Não há vida, não há vida sem este desejo
Cada batida do coração impaciente, tão imperfeita
Mas quando você chega, eu me surpreendo
Às vezes, eu acho ter vislumbrado a eternidade.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros
Você me levanta, mais do que eu posso ser.
Você me levanta de modo que eu posso ficar em pé sobre montanhas
Você me levanta para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte quando estou em seus ombros

Você me levanta, mais do que eu posso ser.


Ouso interromper o ritmo de trabalho que tenho mantido, em que pese às festas de Natal, deixando a correção de provas e a feitura das médias semestrais das disciplinas, para hoje lançar um brado, numa ode a um gigante que partiu: meu pai. E falo a ele, a partir de agora, fazendo uma homenagem à trajetória que cumpriu na história e que cumpre hoje no coração de cada um de nós:
Hoje, 27 de dezembro, é o teu aniversário, Lotário Hansen; completam-se 74 anos de uma trajetória de muita luta e superação. A pequena Selbach, no interior gaúcho, te viu surgir como alguém que, pelas circunstâncias do zeitgeist, estava fadado a ser mais um na lista de seres humanos comuns, que nascem, crescem, morrem e ninguém se apercebe que viveram, pois não deixam marcas. Sim, porque a maioria das pessoas não ultrapassa o próprio contexto, que se lhe apresenta como barreira inexpugnável, como destino a cumprir.
Deram a ti este nome, sem que houvesse razão poética ou reminiscência ao imperador Lotário (795-855 d.C.), neto de Carlos Magno e legatário do Sacro Império Romano-Germânico; foi apenas uma homenagem a alguém que tinha este nome em tua cidade.
Sétimo filho de uma família de onze irmãos, desde pequeno tu descobriste a dureza da labuta para manter vivos e alimentados a tantos; e logo aprendeste as lides da casa, auxiliando nos trabalhos de limpeza do hotel, na barbearia do meu avô e também no restaurante, ajudando como garçom a servir os hóspedes e clientes.
Na escola ficaste pouco tempo, porque estudar não era percebido como valor naquele período e porque foste expulso do colégio, na quarta série; tudo porque, conforme soube por outros, pediste uma borracha emprestada a um colega e a freira-professora quis coibir tua fala com o colega batendo com uma régua em teus dedos, prática “pedagógica” comum e tolerada à época. A tua reação é que foi incomum, pois quebraste a régua que ela trazia para te bater e pulaste a janela do colégio, fugindo para casa. Isso te rendeu humilhação pública e o chicote do meu avô pegando prá valer, pois ele tinha mão “firme”.  Mas, quer saber, que bom que você não se dobrou! Esta foi a primeira lição que aprendi do teu caminhar: não se dobrar diante da injustiça.
Pois é, mas sem escolaridade, no interior do Rio Grande do Sul (“longe demais das capitais”, como diz a música dos Engenheiros do Hawaii), como construir uma vida? Como manter uma família? Como pensar em futuro?
E tu ousaste, pois conquistou a Lori, a rainha do clube, uma das mulheres mais bonitas da cidade, e foste com teu futuro sogro para Frederico Westphalen; casou com a Lori em 08/02/1964; aprendeu uma profissão, a de alfaiate, e passou a sustentar a família, em cumplicidade com a tua mulher. Momentos difíceis, de muita penúria e dificuldade, né?!
Aqui aprendi contigo outra lição: não desistir do amor da tua vida e ser capaz de ir atrás de um sonho.
Tenho poucas lembranças e algumas fortes sensações ainda deste tempo, pois nasci em março de 1965: lembro de nós dois jogando bola dentro de casa (1967, talvez?!), numa noite de chuva, e eu chutei a bola pela janela; tu correste porta afora para evitar que a bola fosse para um córrego próximo e se perdesse, pois afinal de contas era um dos poucos e melhores brinquedos que eu tinha; e lembro-me da festa que eu, tu e a mãe fizemos quando chegaste com a bola recuperada. No final de 1967, veio o Gilson a nos fazer companhia e eu passei a me sentir o “homenzinho”, a cuidar do frágil bebê.
As coisas estavam cada vez mais difíceis sob o ponto de vista financeiro, e tu cometeste um erro empresarial crucial, fruto da tua bondade e confiança na decência das pessoas: vendeste fiado para o filho do prefeito, então presidente de um dos clubes de futebol da cidade, 25 ternos completos, que seriam presenteados aos jogadores pela conquista do campeonato daquele ano. Para confeccionar isto tudo, tu te endividaste junto aos fornecedores de tecidos, vocês trabalharam intensamente e os ternos foram entregues no prazo (dois dias antes da final do campeonato); o time perdeu, o presidente do clube se negou a pagar os 25 ternos e, num lugarejo onde quem mandava era o prefeito, o padre e o juiz, em pleno regime militar, tu sentiste a força da injustiça promovida pelas autoridades constituídas; ameaçado de morte pelo filho do prefeito, sob a conivência corrupta de um magistrado, só restou a ti e à mãe juntar os “trapos”, os filhos e recomeçar em outra cidade (Carazinho); eu tinha três anos de idade e o Gilson, três meses.
Disso outra lição eu aprendi: a nós, pobres, a injustiça é a companhia; para encontrar um lugar ao sol e superar a injustiça, somente com tenacidade, disciplina e competência; não dá para ser mais um, tem de ser o melhor, o mais determinado, o moralmente mais forte.
Por quase dez anos tu e a mãe ficaram a pagar as dívidas advindas deste sucedido; e isso tornava a nossa sobrevivência bastante precária. Lembro-me de alguns episódios que me marcaram profundamente nesta época (fim dos anos 1960 até meados dos anos 1970): o primeiro deles é que morávamos perto do tio Nelson e que a tia Elita ficava, junto com minha mãe, esperando o cacarejar das galinhas, pois este era o sinal de que alguma havia botado um ovo e aquele ovo era doado a nós para que pudéssemos ter bolinho na refeição; nova lição aprendida, qual seja, a força da solidariedade. Outro momento que lembro era de como tu e a mãe nos serviam o feijão e o arroz, e após eu e o Gilson almoçarmos, vocês acrescentarem água e comerem aquilo, pois não havia o suficiente. Vem também a minha retina a imagem da tua chegada do trabalho, curvando-te de dor proveniente de gastrite, pelo excesso de trabalho, preocupações e má alimentação; mas sempre sobrava um carinho e um tempinho para sentar junto ao fogão à lenha e nos pegar no colo, aconchegando-nos num casaco de inverno. Eis mais uma lição, a de que as adversidades não podem nos matar a ternura.
Na ocasião do Natal, a firma onde tu trabalhavas dava uma cesta de Natal aos funcionários, com chocolates e também um engradado de refrigerantes: eu e o Gilson comíamos um pedacinho de chocolate por dia, para que não acabasse logo; idem para o refrigerante, pois repartíamos um por semana, na expectativa de que tivéssemos tal bebida por mais tempo.
Destes momentos de penúria, recordo também da alegria que ficávamos quando, na nossa santa ilusão, acreditávamos que o Papai Noel nos deixava os presentes, ou o Coelho da Páscoa nos deixava casquinhas de ovos recheadas com amendoins. E os presentes, modestos, eram sempre iguais, pois o modelo do carrinho de plástico de 5 reais era verde para um e amarelo para o outro, de sorte que eu e o Gilson sempre recebíamos presente similar. Mas o que importava é que tu e a mãe conosco sentavam e brincavam durante horas, de sorte que nossa infância foi feliz. Novas lições assimiladas: simplicidade, cumplicidade, parceria, valorização daquilo que se tem, por mínimo que seja, e das pessoas que te propiciam o acesso a isso.
Aos poucos vocês foram economizando e compraram uma casa velha (mas era nossa! E isso era muito bom!); e quando esta foi paga, aí vocês partiram para construir uma casa melhor. Foram anos de muita batalha também, pois todos nós trabalhávamos de auxiliares dos pedreiros e marceneiros, para baratear a construção.
E assim, superando obstáculo após obstáculo, não sem dificuldade ou adversidade, vocês pavimentaram uma estrada que permitiu a mim e ao Gilson o acesso ao estudo e às oportunidades de, pelo nosso trabalho, construirmos o nosso próprio lugar no mundo. Vocês, meu querido pai, transcenderam todas as expectativas e conjunturas, foram muito além das “montanhas” do vilarejo onde nasceram e se transformaram em gigantes. Tal como diz a música, tornaram-se gigantes que nos colocaram sobre os ombros e nos permitiram ver longe, para que pudéssemos redimensionar a nossa própria noção de horizontes.
E não bastassem os ensinamentos todos que vocês nos passaram ao longo do tempo, nestes últimos cinco anos trouxeram as mais profundas, marcantes e difíceis lições de assimilar. A partir de 2008, a luta da mãe contra um câncer arrebatador e agressivo, que a levou em 15/11/2009, não sem provações, dor e sofrimento. De lá para cá, tu nos ensinaste o quão dolorosa é a saudade de alguém que se ama e que partiu, pois a partida da mãe te foi um golpe insuperável e que foi te matando aos poucos, sem que pudéssemos fazer nada como alento. Mas tivemos, tu e nós (eu, Gilson, Júnior), as derradeiras lições de tua trajetória terrena quando, em final de maio do corrente, sofreste um Acidente Vascular Cerebral e ficaste paralisado do teu lado esquerdo.
De repente nos demos conta que tu, sempre dinâmico e disposto, que jogou futsal até quase os 65 anos de vida e que parecia uma fortaleza de saúde, também era suscetível aos desígnios da natureza e, por capricho do destino, tornou-se por algumas semanas o nosso “filho”, posto que tivemos de aprender a trocar tuas fraldas, a dar banho em ti, a cortar tua barba, a te carregar no colo. Mas tu não estavas disposto a aceitar passivamente esta imposição da freira-natureza, e quebrou a régua dela, quando começou a fazer fisioterapia e, em menos de 15 dias, dava sinais de recuperar os movimentos e o controle sobre o próprio corpo. A physis (natureza), em conluio com Cronos (o tempo), decidiu então te atingir com novo AVC, em 14 de junho passado; rebelde e inconformado, tu decidiste pular a janela, e seguiu acompanhado de um anjo de luz, chamado Lori, que te esperava.
Desde então, um abismo se abriu em nossas almas, na minha e do Gilson; mas também um vazio ficou na existência dos teus netos e daqueles que contigo conviveram. Desde a tua partida, muitas foram as ocasiões nas quais, no domingo à noite, vi-me com o telefone à mão, para ligar para ti, pai. E toda a vez que faço churrasco, eu ouço dos seus netos a frase: “seu churrasco é bom, mas não tão bom quanto o do vô Lotário”.

Tu e a mãe construíram um lar, uma família, um ethos, um clã; mas vocês saíram da sala cedo demais e agora me vejo aqui, como brincamos entre nós, legatário e patriarca de um “clã” de cinco pessoas (eu, Gilson e os netos de vocês). Como estar à altura dos ensinamentos e legados de vocês? Como se tornar um gigante para permitir que os ombros sirvam de anteparo e plataforma para que outros possam vislumbrar horizontes mais distantes e promissores? Esta lição, pai, tu deixaste sem responder. Espero ser digno do teu nome e ter amor e força suficiente dentro de mim para encontrar e viver a resposta. Feliz aniversário, pai, onde quer que você esteja, de que forma que você esteja!